A partir de 2016, todas as novas casas da Inglaterra terão de ter emissão zero de carbono.

A partir de 2016, todas as novas casas da Inglaterra terão de ter emissão zero de carbono. O que a cruzada inglesa para neutralizar um dos setores mais poluentes tem a nos ensinar

Por Flávia Yuri, de Londres
O ano é 1952. Uma frente estacionária provoca uma inversão térmica no rio Tâmisa, em Londres. A velocidade do vento cai para próximo de zero. Não há dispersão dos poluentes. E Londres fica envolta em fumaça. O Desastre do Smog (numa referência às palavras smoke, fumaça, e fog, neblina) causou entre 3 mil e 4 mil mortes em 15 dias, por ataques de bronquites, asmas e doenças cardiovasculares. Naquele inverno, o governo britânico estima que 12 mil pessoas morreram em decorrência da poluição extrema.
Quem hoje visita Londres não reconhece a cidade descrita acima. A arquitetura vitoriana do século 19 ainda predomina em 6 milhões de casas na Inglaterra. Mas a fumaça cinza da cidade foi dissipada, graças a uma série de políticas públicas iniciadas há 30 anos e que ganharam força nas duas últimas décadas. Desde o fim dos anos 80, as indústrias passaram a receber multas pesadas por despejarem dejetos nas águas do Tâmisa. Hoje, as embarcações de passeio lotam de turistas sem risco de odores incômodos. O rio não é limpo. Mas há peixes. O governo britânico tem conseguido bons resultados em diversas indústrias. Com a proximidade dos jogos olímpicos de 2012 e a meta de casas com emissão zero de carbono a partir de 2016, a política de construção sustentável ganhou os holofotes.
As construções emitem um terço de Co2 do mundo,
gastam 12% da água limpa e 40% da energia elétrica

O setor da construção está entre os mais poluentes do mundo. De acordo com o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –, as construções consomem um terço dos recursos naturais em uso no mundo, 12% da água potável e 40% da energia elétrica do planeta, além de responder por um terço das emissões de carbono. Quinze países possuem metas de eficiência energética nacionais para construções (veja o infográfico à página 106). O Reino Unido é o mais agressivo deles. A partir de 2016, todas as casas construídas deverão ter emissão zero de carbono, depois de erguidas. Elas terão de ser capazes de gerar toda a energia de que precisam para funcionar. Hoje, o aquecimento consome 82% da energia usada numa casa. E as moradias são responsáveis por 27% das emissões de carbono do Reino Unido. O plano, chamado Código para Casas Sustentáveis, integra uma política ainda mais ambiciosa: a redução em 80% da emissão de gases carbônicos em todo o Reino Unido até 2050, em relação aos níveis de poluição de 1990.
No Brasil, estima-se que entre 25% e 30% das emissões de CO2 provenham desse setor, incluindo o transporte de materiais. A construção também responde por 42% do consumo de eletricidade e de 21% do uso da água potável. Construções limpas podem diminuir o consumo de energia em até 30% e de água em até 20%. No bolso do consumidor, a redução de gastos pode chegar a 30%. Além disso, a adoção de metas públicas estimula o desenvolvimento de tecnologia e a criação de novos setores da indústria. O potencial no país é enorme. Com déficit habitacional de 5,8 milhões de casas, uma Copa do Mundo e uma Olimpíada pela frente, o Brasil será palco de canteiros de obras nacionalmente. Mesmo com diferenças climáticas, sociais e econômicas, a experiência inglesa pode ajudar a encurtar caminhos na formulação de políticas de construção sustentável.
A Inglaterra levou anos de planejamento, tentativa e erro até chegar a uma legislação consistente. A primeira regulação, que impôs limites ao gasto de energia na construção de fábricas, data de 1965. Com a crise mundial do óleo, em 1973, a regulação foi estendida para outros tipos de construções. O trunfo do governo britânico foi se preocupar em valorar as questões climáticas e transformar discursos, muitas vezes intangíveis, em números para o mercado. Um dos maiores estudos sobre mudanças climáticas foi feito a pedido do governo britânico a um economista, o inglês Nicholas Stern, do Banco Mundial. O Relatório Stern, publicado em 2006, traduziu em cifras os benefícios de se investir em sustentabilidade.
O Reino Unido quer cortar 80% das emissões de carbono
até 2050, com base nos índices de 1990

Uma das conclusões do levantamento, atualizado no ano passado, diz que o investimento de 2% do PIB mundial a cada ano pode evitar a perda de 20% do mesmo PIB até 2050, e que o mundo deveria cortar a emissão de gás carbônico em 50% até essa data para evitar tragédias naturais. Colocar a questão econômica como carro-chefe na defesa de medidas verdes é algo bem disseminado na Inglaterra. “Nós trabalhamos com sustentabilidade porque é um negócio rentável. E vai ser cada vez mais valorizado”, diz Peter Bonfield, CEO da BRE, fundo público e privado para a construção verde.
A BRE mantém um parque de casas sustentáveis, que funciona como um grande laboratório para materiais, tecnologias e desenhos ecoeficientes. “Só é possível aferir a eficiência de um projeto quando ele é posto em uso”, diz Orivaldo Barros, consultor sênior da BRE. O parque possui 12 casas com diferentes materiais – desde o tradicional cimento reciclado ao uso de fibra de maconha no isolamento térmico das paredes e películas feitas de DVD reciclado no lugar de vidro. Um dos aquecedores é capaz de captar o calor atmosférico e aquecer a casa sem a queima de combustível. No verão, ele faz o inverso, transfere o calor de dentro da casa para fora.(...)

Fonte: Época Negócios
 

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